Independência ou Morte

A liberdade é definida pela filosofia como a “independência, autonomia, auto-determinação, espontaneidade e intencionalidade”, que em sentido amplo, pode ser traduzida na capacidade do ser humano de “agir por si mesmo”. Essa condição – ser livre – é uma característica intrínseca do ser humano desde os primórdios da civilização.

O homem primitivo não conhecia fronteiras, cercas ou limites para o seu pensamento e sua ação. Há de se reconhecer que o universo em que se vivia antigamente era muito limitado, tanto do ponto de vista territorial como intelectual. Entretanto, já no início das civilizações, existia o princípio da dominação, baseada principalmente na força e na capacidade de exclusão de determinados extratos sociais.

Mesmo assim, a liberdade, a independência e autonomia eram uma busca constante. Em face disso, havia os levantes tribais, as fugas e revoltas, contra as tiranias e a subjugação dos cidadãos menos favorecidos.

As primeiras tentativas de organização social, no sentido de garantir liberdade e autonomia aos cidadãos, surgiram na Antiguidade clássica, em Atenas, por volta de 514 a.C. Foi na gestão de Clístenes, que nasceu o termo Democracia, como sendo o sistema que admite a participação popular dentro da política.

A palavra tem origem no grego demokratia, que é composta por demos, que significa povo; kratos, que significa poder ou forma de governo. O intuito era trazer cidadão do povo para participar, seja diretamente ou através de representantes.

Os princípios fundamentais dessa forma de governo são: a garantia da liberdade individual; a liberdade de opinião e expressão; a liberdade de eleger seus representantes, independente do regime político e a igualdade de condições, direitos políticos e oportunidades entre os indivíduos.

A sociedade evoluiu, e com ela as formas de governo. Monarquia absolutista, monarquia constitucionalista, presidencialismo executivo, presidencialismo representativo, parlamentarismo, e ainda as teocracias fundamentalistas que se espalharam amparadas no sentimento religioso de alguns povos. E também as ditaturas, às vezes transmutadas de representação parlamentar, outras vezes autocratas e sanguinárias.

Mas em todas essas formas de governo uma busca sempre prevaleceu: a liberdade como princípio da existência humana. Em muitas ocasiões, povos inteiros foram dizimados, em contraposição à essa busca pela autonomia.

Essa condição – liberdade -, é a base da independência: do pensamento, do ir e vir, da manifestação popular, da propriedade, estatal e privada, do viver sem medo e sem preconceitos. Não há independência, e muito menos liberdade, onde os sopros da autodeterminação são sufocadas pelo arbítrio.

O maior paradoxo que a sociedade enfrenta na consolidação da liberdade e consequentemente da independência, é o eterno jugo pelas condições básicas de exercer esse direito: o acesso à saúde, à segurança, à alimentação, à moradia e ao conhecimento. Como esses direitos básicos são controlados pelo estado, os detentores do poder controlam os meios de obtenção desses direitos.

No Brasil, como em várias nações subdesenvolvidas, esse paradoxo é muito mais acentuado. Os meios de produção, o acesso à tecnologia e ao conhecimento, obedecem às diretrizes traçadas para atender os interesses dos grupos dominantes. Com falsos discursos, quase sempre baseados na manipulação das massas, essas lideranças atentam contra o direito de independência dos cidadãos, quase sempre evocando a liberdade como pretexto.

Esse comportamento não é exclusivo das nações mais pobres. No mundo dito desenvolvido, formado pelos países ricos, os mesmos conceitos são adotados. Com um jeito mais sofisticado de controle dos meios de produção e do acesso político, entretanto, privilegiando da mesma forma, as elites estabelecidas.

Por isso, é difícil na comemoração deste bicentenário, falar em independência.

Como ser independente, quando mais de 30 milhões de cidadãos passam fome. Como falar em liberdade com o estado dominado pela insegurança, pelas milícias e pelo crime organizado? Como ter autodeterminação, quando o cidadão não consegue ter acesso à saúde, ao ensino fundamental, ou a universidades de qualidade.

Como ser independente se a justiça que deveria ser igual para todos, trata com igualdade os desiguais. Como ter liberdade, quando 10 mulheres são agredidas a cada minuto e uma mulher é morta a cada 2 horas no Brasil? Como ser independente, se o resquício da escravidão permeia livre pelo país inteiro, na forma de trabalhos forçados ou análogos à escravatura.

Como ser livre se o direito das minorias, garantido na constituição é uma miragem. Homossexuais são agredidos, seus direitos civis são desrespeitados, e na maioria das vezes a justiça é lenta e parcial, nos julgamentos de misoginia e discriminação. Como ser independente, quando a inflação corrompe o poder de compra, que já vem aviltado por um salário mínimo insuficiente. Como ser livre com uma aposentadoria que às vezes não supre a necessidade dos remédios reclamados pela velhice.

É um desafio para gerações, que será obtido com as escolhas certas, através do sagrado direito de escolher bem e livre, os seus representantes.

Transformar esse país tão vasto e rico, num lugar decente para viver. Onde o cidadão tenha orgulho de o país ser o celeiro do mundo, mas que a sua “tuia” esteja cheia de comida para sua família. Onde o diploma universitário seja um direito assegurado a todos e não aos privilegiados. E que esse diploma, suado e almejado, transforme-se no emprego decente e rentável para a concretização do sonho.

E que a independência e a liberdade, não sejam meras estrofes do ufanismo descrito na letra do hino nacional, mas sim o direito de todos, o orgulho de viver em uma pátria respeitada e respeitosa, em que os cidadãos, mesmo que vivam em diferentes realidades sociais e financeiras, não seja relegado a um vagão obscuro de eterno terceiro mundismo, nesta viagem civilizatória que realizamos.

Que a liberdade não seja um grito dos excluídos, dos desesperados e sem esperança. Que a independência seja um espírito de unidade pelo bem comum e não pelo divisionismo e pela pregação da violência. Que a sociedade de bem que vive neste país possa respirar o verdadeiro cheiro da liberdade, e não da morte que encerra toda e qualquer forma de opressão.

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